Trajetos do modernismo no Brasil: o romance de 1930 e a sombra do passado no trânsito do moderno

Descrição: Embora o modernismo tenha sido na origem um fenômeno tipicamente de São Paulo e, mesmo do Rio de Janeiro, a fixação dos princípios vanguardistas, só se realizou integralmente com a incorporação de outras regiões. As metrópoles são sempre os locais de respiração das mudanças, no entanto, no âmbito da literatura, por exemplo, gênero mais enobrecido da cultura brasileira até então, as inovações do período fizeram-se sob o compasso de princípios diversos, embora também originais. À semelhança do ocorrido na Europa, quando as novidades aconteceram nos contextos mais resistentes ao estilo moderno de vida, no Brasil, como afirma Luis Fernando Veríssimo, “aconteceu coisa parecida e, descontada a Semana de Arte Moderna e suas consequências, foi de fora da metrópole Rio – São Paulo que chegou o novo. Do nordeste, de Minas Gerais, Do Rio Grande do Sul, mesmo que em muitos casos a novidade viesse disfarçada de regionalismo”. Malgrado a presença de certo exagero no trecho acima reproduzido, pois, o modernismo como um movimento amplo aconteceu, primeiramente, nas duas capitais, o autor – que está focalizando apenas a produção literária – quer enfatizar a importância dos escritores e intelectuais de 1930 na fixação dos rumos da cultura no país. Com essa afirmação, acaba por construir um problema para a reflexão, qual seja o de considerar tanto os motivos responsáveis por essa expansão, quanto à velocidade da sua dispersão. Outra questão, ainda de maior profundidade, emerge como desenvolvimento necessário das anteriores: o deslocamento do centro da produção literária que migra das capitais para outras regiões do país, e o aparecimento do chamado romance regional, de origem, sobretudo, nordestina e gaúcha, que adquire a condição de representar a literatura nacional, classificado como sendo “o romance por excelência”. A modernização não tinha impulso suficiente para colidir com as relações existentes ultrapassando-as e estas não possuíam vigor necessário para ajustarem-se à nova dinâmica. Dessa tensão emergiu o chamado romance social dos anos 1930 que expressou o encontro da ficção com as bandeiras políticas e sociais de distintas tonalidades críticas. Essa literatura na qual o poder da modernização é questionado e as perspectivas de futuro são nubladas, na medida em que o progresso é produtor de exclusões, erige-se em um manancial rico para a compreensão do modo como as propostas das vanguardas se difundiram e vicejaram entre nós, apontando rumos para a compreensão da cultura moderna no Brasil. Por essa razão, é fonte privilegiada ao entendimento da crise das relações tradicionais e da construção da sociedade moderna. Exatamente aí, situa-se o problema dessa pesquisa: compreender a dinâmica da modernização brasileira no prisma da afirmação do modernismo, tratando das articulações entre o modernismo e os projetos sociais e uma intelectualidade que são reveladoras de um modo particular de imbricação entre as obras e o momento, entre a cultura e a política. A nova geração de romancistas, do nordeste em particular, mas também de outras regiões, será os fatores da inovação, revelando um deslocamento do eixo da nova produção literária modernista no Brasil. Esta é a questão central da minha reflexão: entender o deslocamento do centro criativo do movimento modernista do núcleo originário – São Paulo – e da capital intelectual – Rio de Janeiro – para as margens do campo cultural, Pernambuco, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, regiões eu passaram a dar a modulação da literatura brasileira, tema a que me dediquei a partir do tratamento da experiência modernista mineira (Cf. Arruda, 1990); compreender os caminhos trilhados pelo modernismo no Brasil, tendo em vista analisar os rumos da cultura moderna entre nós, apreendidos no prisma da capacidade desses autores em modelar futuras direções; perseguir as relações entre narrativas e as experiências sociais nas quais esses escritores estavam imersos; revelar como construíram imagens duradouras do Brasil no trânsito da crise das relações tradicionais e consequente emergência dos valores modernos; buscar conexões estabelecidas entre o tecido cultural e o processo de modernização do país. Nesse sentido, a análise de trajetórias exemplares permite que se caracterize adequadamente as questão: José Lins do Rego (1901-1956), paraibano/pernambucano; Érico Veríssimo (1905-1975), gaúcho;

Lúcio Cardoso (1912-1968) e Cyro dos Anjos (1906-1994), mineiros. Apesar de certa liberdade inerente a todo critério de escolha, a seleção não é arbitrária, uma vez que esses autores não apenas se situam entre os mais representativos escritores do período, como são provenientes dos estados brasileiros possuidores de construções culturais integradas e densas, correspondendo as três regionalismos mais elaborados no Brasil e que são formulações culturais distintas: a pernambucana caracteriza-se pela introversão; gaúcha pelo isolacionismo; a mineira pela integração à nação. Os quatro romancistas selecionados são significativos das imbricações estabelecidas entre as sua geração e as vanguardas modernistas precedentes; são ilustrativos das vias convergentes entre a literatura e o contexto histórico mais amplo; são, enfim, paradigmáticos dos rumos da cultura moderna no Brasil, tendo em vista que codificaram os procedimentos formais de conversão da linguagem modernista na feitura de retratos da realidade social-histórica do país.

Docente responsável: Maria Arminda do Nascimento Arruda