O governo dos outros. Imaginários políticos no Império português (1496-1961)

Descrição: O projecto O Governo dos Outros. Imaginários Políticos no Império Português (1496-1961) propõe-se discutir de que forma é que, entre 1496 (decreto que ordenou a expulsão dos judeus do reino de Portugal) e 1961 (a abolição do Estatuto político, civil e penal dos indígenas), o governo das diferentes populações do império português foi pensado e debatido, juridicamente enquadrado, e narrativamente materializado, quer em narrativas históricas, quer em momentos cerimoniais. Por outras palavras, este projecto visa analisar a construção política e jurídica do governo da diferença e a produção e disseminação de memórias escritas e rituais sobre estas experiências.Explicar as articulações entre perspectivas inclusivas e exclusivas, entre a opção por «vias doces» ou por «vias violentas», que, desde os finais do século XV caracterizaram o «governo dos outros» e as soluções jurídico-políticas gizadas até 1961, em relação a espaços e grupos sociais distintos, constitui-se, pois, como um importante objectivo deste projecto. O que se pretende é identificar as formas de encadeamento destas perspectivas distintas, o modo como elas se alimentaram mutuamente, permitindo a convivência entre programas políticos alternativos e até mesmo dissonantes, o enriquecimento e complexificação de enciclopédias tópicas que podiam ser cristalizadas e/ou reformuladas posteriormente, configurando e legitimando novas formas de organização jurídico-política e novas apropriações sociais.Importa explicar, por exemplo, como é que as propostas políticas que, à partida, pareciam defender a dissolução da diferença, resultaram em soluções que envolviam formas mais ou menos explícitas de hierarquização entre ‘colonizadores’ e ‘colonizados’. Em que medida é que o universalismo jurídico e político associado à conversão ao Cristianismo ou à cultura política iluminista, no contexto da qual a igualdade natural da humanidade foi defendida, e, por consequência, a igualdade de direitos políticos, exemplificam essa tensão entre propostas políticas e a sua concretização jurídico-política? Que mecanismos jurídico-políticos foram aí desenvolvidos com o objectivo de retardar a efectivação dos estatutos jurídico-políticos que assentavam sobre princípios inclusivos, ou que delimitavam e reduziam o âmbito dos mesmos? E como é que essas tensões se manifestaram (e foram explicadas) nas narrativações escritas e cerimoniais do império? Do mesmo modo importa entender como é que, desde o século XIX em diante, o emergente conceito de raça e as diferenças naturais que ele postulava, desafiaram os imaginários universalistas, valorizando, ao invés, os discursos que assentavam sobre princípios de diferenciação e postulavam uma organização desigual da sociedade, culminando na adopção do Estatuto Político dos Indígenas, em 1926. Mas também importa compreender a «relativa facilidade» com que, após a 2 ª Guerra Mundial, a crença e as políticas racistas foram postas em causa pelo luso-tropicalismo (com a sua correspondente convicção sobre a habilidade especial dos portugueses para se misturarem física e culturalmente com outras populações), potenciando agora uma nova inflexão jurídico-política, e a consequente abolição do estatuto político dos Indígenas em 1961.Tendo estes cenários problemáticos como horizonte, os recortes temáticos que irão ser privilegiados, na diacronia, são dois: Cidadania no impérioPresenças do império na metrópoleEstes dois recortes temáticos serão explorados quer a partir dos quadros jurídico-políticos, quer a partir de narrativizações textuais e cerimoniais desenvolvidas desde o século XVI até ao século XX. Se o enfoque na longue durée proporcionará uma visão panorâmica sobre estas questões, a equipa irá concentrar-se em estudos de casos sintomáticos e seus agentes, de modo a aceder à corporeidade ideológica da teoria e da praxis imperial. Ao mesmo tempo, os investigadores do projecto O Governo dos Outros procurarão identificar as ligações entre estes temas e os modelos imperiais referenciais (como o romano, o espanhol, o inglês e o francês), as culturas políticas das sociedades coloniais e seus agentes, e eventos singulares que tiveram o poder de mudar ou reforçar certas tendências ideológicas (caso das revoluções liberais).Para além de estudos de síntese que disponibilizarão os resultados da investigação à comunidade científica, um dos principais outputs do projecto é um arquivo virtual – o qual surge na continuidade do projecto Ius Lusitaniae (www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt) -, no qual serão disponibilizadas séries documentais (de documentação jurídica, mas não apenas) relevantes para o estudo destas temáticas.

Docente responsável: Iris Kantor